TRIBUNAL
DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SAO PAULO – SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO
36″
Câmara
AGRAVO DE INSTRUMENTO
No.1001412- 0/0
Comarca de MARILIA 2.V.CÍVEL
Processo 25124/05
AGVTE
ISAIAS GILBERTO RODRIGUES GARCIA
,REPRES P/S/MÃE ELISANGELA ANDREIA RODRIGUES
interessado) BENEFIC DE:
Interes.
EZEQUIEL AUGUSTO GARCIA
AGVDO
RODRIGO DA SILVA MESSIAS (NÃO CITADO)
A C Ó R D Ã O
Vistos,
relatados e discutidos estes autos, os desembargadores desta turma julgadora da
Seção de Direito Privado do Tribunal de Justiça, de conformidade com o
relatório e o voto do relator, que ficam fazendo parte integrante deste
julgado, nesta data, deram provimento ao recurso, por votação unânime.
Turma Julgadora da 3 6 *
Câmara
RELATOR : DES. PALMA BISSON
2 ° JUIZ : DES. JAYME QUEIROZ
LOPES
3o JUIZ : DES. ARANTES
THEODORO
Juiz Presidente : DES. JAYME
QUEIROZ LOPES
Data do julgamento: 19/01/06
DES. PALMA BISSON
Relator
PODER
JUDICIÁRIO
TRIBUNAL
DE JUSTIÇA – SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO
AGRAVO
DE INSTRUMENTO N° 1.001.412-0/0
COMARCA - MARÍLIA
AGRAVANTE - ISAÍAS GILBERTO RODRIGUES GARCIA
{REPRESENTADO POR SUA MÃE:
ELISANGELA
ANDREÍA RODRIGUES)
AGRAVADO - RODRIGO DA SILVA MESSIAS (NÃO CITADO)
V O T O N° 5902
Ementa: Agravo de instrumento – acidente de
veículo – ação de indenização decisão que nega os benefícios de gratuidade ao
autor, por não ter provado que menino pobre é e por não ter peticionado por
intermédio de advogado integrante do convênio OAB/PGE inconformismo do
demandante – faz jus aos benefícios da gratuidade de Justiça menino filho de
marceneiro morto depois de atropelado na volta a pé do trabalho e que habitava
castelo só de nome na periferia, sinais de evidente pobreza reforçados pelo
fato de estar pedindo aquele u’a pensão de comer, de apenas um salário mínimo,
assim demonstrando, para quem quer e consegue ver nas aplainadas entrelinhas da
sua vida, que o que nela tem de sobra é a fome não saciada dos pobres – a circunstância
de estar a parte pobre contando com defensor particular, longe de constituir um
sinal de riqueza capaz de abalar os de evidente pobreza, antes revela um gesto
de pureza do causídico; ademais, onde está escrito que pobre que se preza deve
procurar somente os advogados dos pobres para defendê-lo ? Quiçá no livro
grosso dos preconceitos… – recurso provido,
O menor impúbere Isaias Gilberto Rodrigues Garcia, filho
de marceneiro que morreu depois de ser atropelado por uma motocicleta na volta
a pé do trabalho, fez-se representado pela mãe solteira e desempregada e por
advogado que esta escolheu, para requerer em juízo, contra Rodrigo da Silva
Messias, o autor do atropelamento fatal, pensão de um salário mínimo mais
indenização do dano moral que sofreu (fls. 13/19).
Pediu
gratuidade para demandar, mas esta lhe foi negada por não ter provado que
menino pobre é e por não ter peticionado por intermédio de advogado integrante
do convênio OAB/PGE (fls.20).
Inconforma-se
com isso, tirando o presente agravo de instrumento e dizendo que bastava, para
ter sido havido como pobre, declarar-se tal; argumenta, ainda, que a sua
pobreza avulta a partir da pequeneza da pensão pedida e da circunstância de
habitar conjunto habitacional de periferia, quase uma favela.
De
plano antecipei-lhe a pretensão recursal (fls. 31 e Vo), nem tomando o cuidado,
ora vejo, de fundamentar a antecipação.
A
Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso (fls. 34/37).
É
o relatório.
Que
sorte a sua, menino, depois do azar de perder o pai e ter sido vitimado por um
filho de coração duro – ou sem ele -, com o indeferimento da gratuidade que
você perseguia.
Um
dedo de sorte apenas, é verdade, mas de sorte rara, que a loteria do
distribuidor,
perversa
por natureza, não costuma proporcionar.
Fez
caber a mim, com efeito, filho de marceneiro como você, a missão de reavaliar a
sua fortuna.
Aquela
para mim maior, aliás, pelo meu pai -por Deus ainda vivente e trabalhador –
legada,olha-me agora.
É
uma plaina manual feita por ele em pau-brasil, e que, aparentemente enfeitando
o meu gabinete de trabalho, a rigor diuturnamente avisa quem sou, de onde vim e
com que cuidado extremo, cuidado de artesão marceneiro, devo tratar as pessoas
que me vêm a julgamento disfarçados de autos processuais, tantos são os que
nestes vêem apenas papel repetido.
É
uma plaina que faz lembrar, sobretudo, meus caros dias de menino, em que
trabalhei com meu pai e tantos outros marceneiros como ele, derretendo cola
coqueiro – que nem existe mais – num velho fogão a gravetos que nunca faltavam
na oficina de marcenaria em que cresci; fogão cheiroso da queima da madeira e
do pão com manteiga, ali tostado no paralelo da faina menina.
Desde
esses dias, que você menino desafortunadamente não terá, eu hauri a certeza de
que os marceneiros não são ricos não, de dinheiro ao menos.
São
os marceneiros nesta terra até hoje, menino saiba, como aquele José, pai do
menino Deus, que até o julgador singular deveria saber quem é.
O
seu pai, menino, desses marceneiros era.
Foi
atropelado na volta a pé do trabalho, o que, nesses dias em que qualquer um é
motorizado, já é sinal de pobreza bastante.
E
se tornava para descansar em casa posta no Conjunto Habitacional Monte Castelo,
no castelo somente em nome habitava, sinal de pobreza exuberante.
Claro
como a luz, igualmente, é o fato de que você, menino, no pedir pensão de apenas
um salário mínimo, pede não mais que para comer.
Logo,
para quem quer e consegue ver nas aplainadas entrelinhas da sua vida, o que
você nela tem de sobra, menino, é a fome não saciada dos pobres.
Por
conseguinte um deles é, e não deixa de sê-lo, saiba mais uma vez, nem por estar
contando com defensor particular.
O
ser filho de marceneiro me ensinou inclusive a não ver nesse detalhe um sinal
de riqueza do cliente; antes e ao revés a nele divisar um gesto de pureza do
causídico.
Tantas,
deveras, foram as causas pobres que patrocinei quando advogava, em troca quase
sempre de nada, ou, em certa feita, como me lembro com a boca cheia d’água,de
um prato de alvas balas de coco, verba honorária em riqueza jamais superada
pelo lúdico e inesquecível prazer que me proporcionou.
Ademais,
onde está escrito que pobre que se preza deve procurar somente os advogados dos
pobres para defendê-lo ?
Quiçá
no livro grosso dos preconceitos…
Enfim,
menino, tudo isso é para dizer que você merece sim a gratuidade, em razão da
pobreza que, no seu caso, grita a plenos pulmões para quem quer e consegue
ouvir.
Fica
este seu agravo de instrumento então provido; mantida fica, agora com ares de
definitiva, a antecipação da tutela recursal.
É
como marceneiro voto.
PALMA
BISSON
Relator
Sorteado